CADEIAS MUSCULARES E ARTICULARES GDS – ALGUNS CONCEITOS PSICOCORPORAIS
Antes de apresentar alguns conceitos para a compreensão da organização mecânica das Cadeias Musculares e Articulares GDS, convém lembrar que, além do Método GDS, existem outros métodos de cadeias musculares. Entre eles, destaco, as Cadeias Fisiológicas de Léopold Busquet e o RPG de Philippe Souchard.
O que estes métodos têm em comum ? Certamente, a influência do método desenvolvido por Françoise Mézières, do qual todos foram alunos. Outro ponto em comum é que estes fisioterapeutas renomados são unânimes em apontar que a causa de um problema não está onde o sintoma se manifesta. Por essa razão, pouco adianta tratar o sintoma, pois ele será sempre recorrente. Para que as causas sejam verdadeiramente atingidas, é necessário ver o corpo numa totalidade.
Godelieve Denys-Struyf, entretanto, entendia que a totalidade de um indivíduo não poderia se restringir, apenas, às questões biomecânicas. Desta forma, para poder compreender a relação paciente X sintoma, ela fundamentou teoricamente o Método GDS, dedicando uma atenção especial ao desenvolvimento psicomotor da criança. Ela considerava que a atitude postural e as marcas corporais que observamos, tanto nos jovens quanto nos idosos, iniciam sua construção antes mesmo da concepção. Assim, a partir da primeira infância, as cadeias musculares e as estruturas psicocorporais vão começar a se instalar, concomitantemente, no corpo e no psiquismo, o que nos permitirá estabelecer diferentes formas de comunicação com o meio em que vivemos.
Segundo o Método GDS, os seres humanos, independentemente de raça, sexo e cultura, são constituídos por uma base estrutural comum, composta por três estruturas. Porém, a distribuição destas estruturas difere de um indivíduo para outro. Essas estruturas estão relacionadas a determinados “projetos de base", ou melhor, potenciais.
Godelieve Denys-Struyf usava a imagem de 3 "potes vazios” de diferentes tamanhos para apresentar a idéia de potencial. Sendo assim, os indivíduos diferem entre si pelo tamanho dos potes que carregam. A partir dessa imagem, temos apenas 2 opções possíveis. Preencher os potes, se o meio em que vivemos permitir. Ou, quem sabe, optar por preencher determinado pote em detrimento dos outros.
Imagem: Museu do Louvre. Paris
Sendo assim, nascemos com as ferramentas apropriadas para o preenchimento de nossos potes. Ao todo, temos 6 ferramentas que utilizamos para nos ajustar ao meio físico, familiar e sociocultural. Isso quer dizer que a nossa biomecânica já vem geneticamente programada para facilitar a realização de nosso “projeto de base". Algo nos motiva e nos movimenta psicocorporalmente em uma direção física e psíquica. A essa motivação, Godelieve Denys-Struyf deu o nome de pulsão psicocomportamental.
Se o meio é favorável e nossa mecânica pode se adaptar, teremos mais facilidade de irmos ao encontro de nossos potes e preenche-los. Por outro lado, se o ambiente em que vivemos nos afasta de nosso projeto inicial, teremos que usar ferramentas que não vieram pré-programadas. Isso pode ter, como ônus, a criação de marcas corporais que desorganizarão o bom equilíbrio biomecânico. Neste caso, estaremos nos movimentando psicocorporalmente no sentido contrário ao de nossos potenciais. As cadeias musculares que deveriam funcionar, mediando de forma harmoniosa nossas relações psicocorporais, passarão a aprisionar o corpo em um determinado modo de funcionamento, dificultando a adaptabilidade mecânica e comportamental.
Agora, julgo ser oportuno apresentar as cadeias musculares. Nossas 6 ferramentas, que Godelieve Denys-Struyf definiu como "alfabeto do corpo". Cada sigla se refere a uma localização anatômica.
O eixo fundamental ou da personalidade é composto por 3 estruturas. São elas: AM, PM, PA.
A cadeia anterior e mediana AM está associada à afetividade, à necessidade de amar e se sentir amado, ao sensorial. Esta estrutura psicocorporal tem papel fundamental na construção do ego e da consciência corporal. Do ponto de vista mecânico tem como marca útil imprescindível para o bom funcionamento biomecânico global, a verticalização do esterno, o posicionamento da oitava vértebra torácica no ápice da cifose dorsal e os joelhos em flexo “funcional” (manutenção de uma lordose femoro-tibial)
A atividade preferencial da cadeia posterior e mediana PM está associada à necessidade de ação, de realização e de desempenho. Esta estrutura tem um papel primordial na verticalização de todos os segmentos corporais e, consequentemente, na manutenção do homem de pé.
Já a cadeia póstero-anterior PA, localizada na coluna vertebral e no tronco, tem a função reflexa de manter todas as massas corporais alinhadas a um eixo vertical. É uma estrutura que está relacionada à construção da individualidade, à necessidade de ser e à busca do ideal em todos os níveis.
De um modo bastante resumido, AM cria raízes no chão para termos uma base sólida de sustentação. Isso permitirá a PM, também com um ponto fixo em baixo, suspender, de baixo para cima, todo os segmentos corporais até ficarmos de pé. As ações sinérgicas de AM e PM colocam tensão em PA, que reflexamente, alinha todas as vértebras da coluna ao eixo vertical.
Além dessas 3 estruturas, possuímos outras duas que fazem parte do eixo horizontal ou relacional.
A atividade preferencial da cadeia posterior lateral PL está associada à necessidade de se comunicar com o mundo. Por essa razão, os músculos pertencentes a esta cadeia favorecem a abdução e a rotação externa dos membros, que quando excessiva, gera uma atitude arqueada e desdobrada.
Por sua vez, a cadeia anterior lateral AL é caracterizada por um modo preferencialmente seletivo, favorecendo a concentração e a capacidade de manter o "foco" (introspecção / introversão). Essa cadeia favorece a adução, a flexão e a rotação interna dos membros, gerando uma atitude de recolhimento, podendo no excesso, chegar a achatar o corpo no próprio eixo.
A sexta cadeia muscular, anterior-posterior AP, tem o papel de flexibilizar e ajustar. Junto com as cadeias do eixo relacional, forma a tríade dinâmica (PL-AL-AP). Sem excesso de nenhuma das cadeias, os movimentos funcionais serão coordenados e estruturados. Junto com a cadeia póstero-anterior PA, formam dois encadeamentos musculoaponeuróticos que geram três atitudes psicocorporais. No seu funcionamento fisiológico, PA e AP permitem o ritmo respiratório, mantém o equilíbrio das massas pélvica, torácica e cefálica em relação ao eixo vertical. A cadeia PA entra em atividade na fase inspiratória e a cadeia AP, na expiratória. Quando essas duas cadeias perdem a sua alternância fisiológica, é gerada uma terceira atitude PA-AP.
Vai ser uma grande ousadia minha apresentar um conteúdo de biomecânica sem anexar qualquer imagem explicativa. Mas acredito que isso possa revelar uma outra faceta da estruturação de um conhecimento. Struyf trabalhava a idéia do "olhe e aprenda a ver". Então, em vez de apresentar uma imagem, descreverei uma cena do nosso cotidiano e peço que você resgate essas imagens mentalmente.
Vamos buscar uma imagem de algumas crianças brincando em um parque.
O que as motivam a ir em uma determinada direção e fazer algo ? São as outras crianças... a descoberta de algum brinquedo ... a brincadeira pode parecer divertida....
Todas as crianças envolvidas na brincadeira têm a mesma motivação ? Ou, talvez, elas simplesmente brincam e só ?
A linha de raciocínio que seguirei irá na direção dos 3 "potes vazios". Mas, agora, vou apresentar uma situação, colocando as cadeias musculares - as ferramentas psicocorporais.
Uma criança, para poder chamar outra para brincar, parte de uma motivação para tal atitude (Não quero brincar sozinha, vou chamar um amigo !) Ou seja, a motivação desencadeia um processo que é psíquico e motor ao mesmo tempo. Então, a estrutura (psico + motor { músculo } -> cadeia PL) é posta em atividade para exprimir essa linguagem que não é apenas verbal.
Continuando ...
Com a cadeia AM é possível se aproximar e tocar no amigo. A criança convida o seu novo amigo para sentar no chão. A estrutura (psico + motor -> cadeia AM) percebe e integra todo o corpo. Agora sim ! Eu "estou aqui", pronto para iniciar uma brincadeira. A PM gera a ação e a brincadeira começa. A qualquer momento a estrutura (psico + motor -> cadeia PM) pode ser recrutada para a criança se levantar e ir ao encontro de algo novo. Quem sabe seja necessário pegar um outro ingrediente para enriquecer a brincadeira ? Com PA e AP, é possível fazer milhares de ligações mentais e uma simples brincadeira de bola acaba virando uma viagem interplanetária. A cada instante, uma situação nova acontece. Por essa razão, a criança irá recorrer às experiências já vividas e, poderá julgar se isso vale para essa nova situação ou não. Certamente, algum ajuste precisará ser feito. Esse é o trabalho da estrutura (psico + motor -> cadeia PA com a flexibilização da cadeia AP). Será que esse novo brinquedo serve ? A estrutura (psico + motor -> cadeia AL) precisa entrar em ação para aproximar e, finalmente, analisar. A criança volta a se comunicar com sua cadeia PL e novos processos (psico + motor) acontecerão infinitamente.
Nesse exemplo procurei mostrar que todas as cadeias musculares são necessárias.
Se a criança tem mais um potencial que outro, neste caso me refiro às estruturas do eixo fundamental (AM, PA, PM), não tem problema. Ela apenas viverá mais intensamente aquela experiência psicocorporal. Com mais AM, a criança ficará mais presa a uma atividade, certamente criará raízes. E, com mais PM, terá o desejo pela descoberta e vai querer aprender brincadeiras novas. Cada criança buscará preencher seus potes. Isso, se nada atrapalhar !
As cadeias PL e AL, correspondem às estruturas do eixo relacional e, por conta disso, dão um "colorido" às estruturas do eixo fundamental. Por essa razão, encontraremos muitas combinações estruturais (AM-PL, PM-AL, PA-AL ...). Uma criança que funciona mais em PL terá muitos amigos e será bastante comunicativa. Ela usará todas as formas possíveis para se expressar. Enquanto que uma outra criança que funciona mais em AL, terá um modo mais reservado para se comunicar e irá preferir um ambiente com menos crianças. Gostaria de deixar bem claro que ninguém é AM, PM, PL etc. Funcionamos preferencialmente de uma maneira e isso não quer dizer que não utilizaremos as outras possibilidades de comunicação. Somente ficamos presos a uma forma de funcionamento quando já estamos no excesso, na patologia.
Vamos voltar a questão dos "potes". A partir do exemplo descrito, ainda é possível acreditar que todas as crianças percebam o mundo da mesma maneira ? Não seria mais adequado pensar em vias de percepção diferentes ? Algumas crianças perceberão o mundo por uma via sensorial (AM) enquanto que outras serão mais racionais e concretas (PM). Assim, cada uma, poderá adotar modos preferenciais de funcionamento. Se cada estrutura (psico + motora -> cadeia muscular) funciona de modo particular em cada uma dessas criança, não seria lógico pensar que o corpo não deva ter um padrão postural ? Um joelho em " X ", um pé com arco desabado e, ombros ligeiramente levantados não poderiam ser marcas aceitáveis, pois foram adquiridas através de um modo preferencial de funcionamento ? Corrigir essas marcas não seria uma forma de contrariar a natureza dessa criança e, quem sabe, poderíamos gerar uma reatividade e acentuar o quadro ?
Esse assunto Cadeias Musculares GDS é algo fascinante. Pode acreditar ! Lembro que falei que todos nós temos 3 "potes" e o que nos difere é o tamanho deles. E se eu tiver os 3 potes (AM, PA e PM) "enormes" ? Como você imaginaria que seria o meu desafio para preencher todos os potes (amar / se sentir amado, buscar meus ideais, realizar) ? Não seria nada fácil, concorda ? E se optarmos por preencher apenas um dos potes ? Se em algum momento da vida, deixamos de preencher algum dos potes, mesmo aquele que é muito pequeno, criaremos algum tipo de marca, no psíquico ou no corpo. Não cabe ao profissional que trabalha com o Método GDS fazer uma análise crítica do comportamento humano. Isso é tarefa para outros profissionais. O nosso campo de atuação busca compreender de que forma se instala um quadro patológico e encontrar uma estratégia de tratamento verdadeiramente estruturante, capaz de tornar esse indivíduo um agente consciente, frente às demandas que aparecerão futuramente em sua vida. Essa consciência é importante para a prevenção da recorrência do sintoma.
Esta semana deixarei como referências bibliográficas, o livro do Dr. André Trindade, Psicólogo com formação no Método GDS de Cadeias Musculares e Articulares. Ele desenvolve um trabalho de "Educação Corporal na Infância" em diversas escolas em São Paulo e Rio de janeiro. Seu livro, Gestos de cuidado, Gesto de Amor é sem dúvida uma leitura que nos revela a importância de um trabalho estruturante na vida de uma criança. Por sua vez, o livro de Godelieve Denys Struyf sobre a "Onda do crescimento", exige um pouco mais de aprofundamento nos conceitos do Método GDS, mas, nos ajuda a entender o nosso percurso de desenvolvimento psicocorporal.
Bibliografia
. Denys-Struyf Godelieve. La structuration psychocorporelle de l`enfant: la vague de croissance selon la méthode G.D.S. Bruxelles: ICTGDS; 2010.
Godelieve Denys-Struyf criou um Método de Cadeias Musculares .... e Articulares. Afinal, não somos feitos só de músculos. Então, na próxima semana, desenvolverei o conceito de cadeias musculares "vestindo" cadeias articulares.
Até a próxima !
Alexandre de Mayor
Para aqueles que se interessam pelo tema Desenvolvimento Psicomotor da Criança, segue logo abaixo um pequeno trecho da Conferência de Renata Ungier, apresentada no II Congresso Sul Brasileiro de Reeducação da Postura e do Movimento, em agosto de 2016, Porto Alegre.